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16 de ago. de 2017

Conceitos de "responsabilidade" e "culpa" são debatidos no XXI Fonajuv em Cuiabá

É com este exemplo que o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Marcelo Salmaso, membro do grupo gestor da Justiça Restaurativa no Judiciário paulista, traçou um paralelo entre o aumento das transgressões em nosso país e o paradigma punitivo que está incrustado na população



Dois carros colidem no trânsito. Neste instante, um pensamento cruza a mente dos motoristas: "que besteira eu fiz?". Em seguida, vem o próximo pensamento: "mas, se ele [o outro motorista] não estivesse correndo, a colisão teria sido evitada!". E ambos acreditam que não foram os culpados. E, se não são culpados, não merecem ser punidos. A cena, comum no cotidiano, é resultado da junção de dois conceitos: "responsabilidade" e "culpa".

É com este exemplo que o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Marcelo Salmaso, membro do grupo gestor da Justiça Restaurativa no Judiciário paulista, traçou um paralelo entre o aumento das transgressões em nosso país e o paradigma punitivo que está incrustado na população. O magistrado foi conferencista no XXI Fórum Nacional da Justiça Juvenil (FONAJUV) – realizado no final da semana que passou, no Hotel Deville Prime, em Cuiabá.

"Hoje, ser culpado significa ser punido. E, se não quero ser punido, não sou responsável. Portanto, quem é culpado e responsável é sempre o outro. Por outro lado, em muitas situações, medidas punitivas são desresponsabilizantes. A pessoa entende que a culpa se restringe a 'pagar' a pena. Mas, é preciso olhar para o erro, refletir sobre ele e os danos causados. Precisamos questionar quais foram os motivos que o levaram a fazer aquilo e não amplificá-los", ponderou o juiz.

JUSTIÇA RESTAURATIVA – Salmaso complementou que, neste contexto, a Justiça Restaurativa – método alternativo de solução de conflitos e violência usado em diversas etapas dos processos criminais – chega com uma nova proposta e já coleciona resultados positivos na busca da construção de uma corresponsabilidade voltada a todos os atores sociais (comunidade, poder público e família) e não apenas à pessoa que praticou o delito.

O ponto principal é o encontro voluntário entre os envolvidos, uma oportunidade em que vítima poderá falar sobre seus sentimentos e as consequências da ofensa. Por outro lado, é um momento em que o infrator pode se responsabilizar pela ofensa e se retratar perante a vítima e a sociedade, por meio de um diálogo franco, honesto e respeitoso, com base nos valores fundamentais da Justiça Restaurativa como responsabilidade, interconexão, humildade, participação e esperança.

"A Justiça Restaurativa traz um instrumento de transformação social. Ela procura entender um pouco quais são as causas motivadoras que levaram as pessoas à violência e à transgressão. Por vezes, são os sentimentos de 'vergonha' e 'humilhação', que – se não trabalhados – são expressados depois dessa forma. Ao mesmo tempo, permite que a vítima deixe de ser apenas um 'meio de pena' e obtenha as respostas que precisa para seguir adiante", explicou.

Neste viés, o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), o juiz Jose Arimatéa Neves Costa, que participou do primeiro dia do evento, destacou que os conceitos e a natureza da Justiça Restaurativa adequam-se como uma luva às demandas judiciais na seara da Infância e Juventude – em que as soluções tradicionais, por vezes, deixam a desejar em resultados concretos, em especial na prevenção da reincidência infracional.   

"As técnicas da Justiça Restaurativa podem revolucionar as unidades judiciárias da Infância e Juventude – melhorando a variável mais sensível, que é a reincidência. O Fórum foi muito oportuno. A troca de ideias e de experiências pessoais entre juízes que atuam nessa área em todo o país, sem dúvidas, foi uma oportunidade ímpar para se difundir e implementar as boas práticas na justiça juvenil", comentou.

FUTURO – Para a juíza do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Brigitte Remor de Souza May, a Justiça Restaurativa é um método importante e que merece contar com investimento em pesquisa, no pensamento crítico, para que possa expandir e ter a qualidade que necessita. "Existem poucos materiais sobre o tema e suas medidas. Logo, precisamos olhar como a América Latina está trabalhando algumas questões acerca dela", ressaltou.  

Pensamento reiterado pelo defensor público de São Paulo, Flávio Américo Frasseto, que destacou ainda a necessidade de requisitos objetivos para a revisão e a progressão das medidas socioeducativas.

"Antes da Lei nº 12.594/2012 não haviam parâmetros objetivos para reavaliá-las. O adolescente ficava à mercê do parecer particular de cada magistrado. Com a legislação, entrou em cena um importante dispositivo chamado Plano Individual de Atendimento (PIA), que traz o plano de ação das atividades que serão desenvolvidas pelo adolescente durante o período de intervenção. E não se trata de apenas de avaliar se a meta foi atingida. Leva-se em conta a evolução do adolescente", contextualiza.     

FONAJUV – Criado em oito de agosto de 2008, com caráter permanente e autônomo, o Fórum Nacional da Justiça Juvenil (FONAJUV) conta com o apoio do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (FONINJ), Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA), Ministério dos Direitos Humanos (MDH) e Unicef.

De acordo com a coordenadora técnica edição mato-grossense do FONAJUV, a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT), Jaqueline Cherulli, o evento tem como objetivo conhecer a realidade de cada região, bem como os desafios e as experiências exitosas, buscando a construção de ferramentas para garantir a agilidade e a concretude na aplicação das medidas socioeducativas pelos juízes da área da Justiça Juvenil.

"O FONAJUV congrega todos os colegas dessa área especializada para um intercâmbio de boas práticas e de experiências positivas. Mato Grosso, por exemplo, possui profissionais que se dedicam muito à área. Da mesma forma, temos muitos bons exemplos com projetos sendo desenvolvidos por todo o Estado – que envolvem desde palestras nas escolas até programas de socialização", comentou Cherulli.

Reflexão reiterada pela primeira vice-presidente da Amam, a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT), Ana Cristina Silva Mendes, que complementou que o Fórum "agrega muito conhecimento aos magistrados e demais profissionais que militam na área tanto por aqui quanto em outros locais, o que irá contribuir para o desenvolvimento eficiente dos trabalhos na área".

Redação 24 Horas News | 15/08/2017

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Livros & Informes

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  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
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  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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